Beatles ’64: Como Martin Scorsese Transformou a Energia dos Beatles em Algo Monótono

O renomado cineasta Martin Scorsese, conhecido por sua habilidade de criar obras cativantes, alcançou um feito inesperado com seu novo documentário musical na Disney+: ele conseguiu transformar os Beatles em algo monótono.

O documentário apresenta um momento curioso que parece antecipar o tom da produção. Um jovem Paul McCartney, com apenas 21 anos, é entrevistado por um jornalista que pergunta sobre a possível influência cultural e histórica da banda. Visivelmente surpreso, McCartney responde: “Cultura? Não é cultura! É só uma boa risada!”. Contudo, o filme de Scorsese está cheio de referências culturais, mas carece justamente das risadas mencionadas por Paul.

Reflexões Históricas, mas Pouco Engajamento

Sessenta anos depois, o agora grisalho McCartney, com sua barba desleixada, é o protagonista ideal para debater o impacto histórico e cultural dos Beatles. Ele conduz a equipe do filme por uma exposição de suas fotografias da primeira visita da banda aos Estados Unidos. Durante uma dessas reflexões, McCartney comenta: “Foi logo após o assassinato de Kennedy – talvez os Beatles fossem o que a América precisava para sair do luto e lembrar que a vida continua”.

Embora essa análise seja interessante, o documentário, produzido por Scorsese e dirigido por David Tedeschi (colaborador de longa data do cineasta), tem uma abordagem demasiadamente séria e antiquada. Repleto de imagens de arquivo já conhecidas e depoimentos de especialistas de longa data, o filme muitas vezes soa como uma repetição de argumentos que qualquer fã da banda já ouviu inúmeras vezes.

O documentário começa com um discurso de dois minutos do presidente Kennedy, enquanto a cantora Billie Eilish interpreta uma versão melancólica de “All My Loving”. Essa abertura sinaliza a seriedade excessiva do projeto, que parece mais focado em análises socioculturais do que na energia vibrante que definiu os Beatles.

Material Clássico, mas Recontextualizado

Os momentos mais envolventes do filme vêm das imagens capturadas pelos cineastas Albert e David Maysles para o documentário What’s Happening: The Beatles in the USA. As filmagens originais em 16mm foram restauradas com técnicas usadas por Peter Jackson em seu documentário Get Back de 2021. No entanto, a nova contextualização proposta em Beatles ’64 não necessariamente melhora o impacto emocional do material original. Muitos podem se perguntar por que não foi feita uma simples restauração e expansão do documentário original, The First US Visit, lançado pela última vez em 1991.

Apesar da qualidade técnica, a alegria das filmagens originais – com os Beatles brincando, imitando vozes engraçadas e se divertindo entre si em meio ao caos midiático – é constantemente interrompida por análises sociológicas. Programas antigos de TV, onde feministas discutem os Beatles como um novo modelo de masculinidade, ou trechos de Marshall McLuhan falando sobre o impacto da tecnologia na comunicação, acabam por ofuscar o carisma natural da banda.

Beatles Eternos ou Relíquias do Passado?

Enquanto o documentário de Peter Jackson conseguiu revitalizar os Beatles, apresentando-os como figuras contemporâneas e atemporais, Beatles ’64 faz o oposto. Ao destacar imagens em preto e branco e entrevistas nostálgicas, o filme transforma a banda em relíquias de um passado distante, quase como criaturas de um mundo perdido.

Por outro lado, há momentos que capturam a inocência juvenil da banda, como a expressão de pura alegria de John Lennon ao usar um par de fones de ouvido e exclamar, rindo: “Você pode ouvir sua própria voz falando!”. No entanto, mesmo nesses momentos, os Beatles não parecem jovens. Suas personalidades são tão icônicas que adquiriram uma aura de intemporalidade, que se reflete até em Ringo Starr, agora com 84 anos. Cheio de vitalidade e o mesmo humor irônico, Ringo lê um trecho de uma crítica da Newsweek de 1964 que descreve os Beatles como “um pesadelo” de “ternos beatniks eduardianos ajustados e tigelas gigantes de cabelo” tocando música “sem ritmos secundários, harmonia ou melodia”.

Um Filme que Esquece a Alegria dos Beatles

Apesar de ser uma análise tecnicamente impecável, Beatles ’64 se perde na tentativa de transformar a banda em um fenômeno exclusivamente cultural, esquecendo a energia, a diversão e o impacto emocional que definiram os Beatles. Em vez de capturar a vivacidade que tornou o quarteto de Liverpool eterno, o filme os apresenta como figuras distantes, mergulhadas em um mar de análises históricas e culturais.

Para os fãs que buscam reviver a essência vibrante da banda, talvez seja melhor revisitar documentários mais leves e diretos ou mesmo escutar suas músicas, que permanecem tão atemporais quanto suas personalidades.